Em 20 de julho de 1969 o ser humano pisava na Lua pela primeira vez. Mas foi na véspera de Natal do ano anterior, 1968, que o momento mais importante desta missão aconteceu, quando Bill Anders, astronauta a bordo da Apollo 8, viu pela primeira vez a Terra por inteira, flutuando no espaço e fotografou a imagem que ficou conhecida como "Earthrise" (Nascer da Terra).
Anders ressaltou a importância dessa visão, comentando sobre a fragilidade e a finitude do planeta:
"Acho um tanto irônico que tenhamos ido até a Lua, mas provavelmente foi a Terra e a perspectiva dela que mais impressionou os pilotos - e acredito que o resto do mundo também. Porque as imagens do primeiro nascer da Terra e a primeira visão da Terra completa flutuando no espaço, acredito eu, têm sido uma contribuição importante para ajudar as pessoas a terem uma melhor compreensão do lugar da Terra em nossas vidas e no universo. Você percebe que a Terra é tão significativa fisicamente quanto um grão de areia em uma praia. Mas é o nosso único lar."
Anos depois do feito, a fotografia continuou a inspirar, e em 1987 a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, afirmou que essa perspectiva revolucionária da Terra no espaço, teve um impacto de reflexão na sociedade, maior do que a revolução de Copérnico (Séc. XVI), que revelou que a terra não é o centro do universo, desconcertando a auto imagem que o homem tinha sobre si. De acordo com o relatório criado durante o encontro,
“Do espaço, vemos uma pequena e frágil bola dominada não por atividades humanas e edifícios mas por padrões de nuvens, oceanos, verde e solo. A inabilidade humana de ajustar/adaptar suas atividades a estes padrões está mudando o sistema planetário de forma fundamental. Muitas dessas mudanças vêm acompanhadas de perigos que ameaçam a vida.”
(tradução livre – ONU, 1987, p. 8)
A ótica mecanicista: O ser humano separado do meio
Nós da dita sociedade moderna, nos entendemos, seres humanos, como separados do meio em que habitamos, as partes isoladas do todo. Essa maneira de compreender o mundo foi e ainda é influenciada pela ótica mecanicista, estabelecida nos séculos XVI e XVII, majoritariamente atribuída às ideias de Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton. Por séculos, essa visão de mundo, do indivíduo separado do meio, levou a construção de uma relação homem-natureza onde o homem se entende como detentor de poder e controle sobre a natureza. Essa visão continua a influenciar e guiar as mais diversas áreas de nossas vidas, desde a educação, até a ciência, os negócios e a economia.
No entanto, quando voltamos às ideias apresentadas no relatório acima citado, “o meio ambiente não existe como uma esfera separada das ações humanas, suas ambições e necessidades”, (ONU, 1987, p. 6), vemos que a separação é apenas ilusória, a realidade é a de um ecossistema complexo, e interdependente do qual fazemos parte.
O conceito de desenvolvimento sustentável e seus pilares
Não por acaso, neste mesmo relatório, foi definido o conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo o relatório,
“O desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades”
(ONU, 1987)
Posteriormente, a declaração gerada durante a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, da ONU, em 2010, em Joanesburgo, África do Sul, estipulou ainda que o desenvolvimento sustentável está baseado em três pilares: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental.
Um novo horizonte para a sociedade e os negócios
De lá pra cá, poucas foram as mudanças efetivas alcançadas em direção à sustentabilidade. De fato, os problemas estão cada vez mais evidentes e a urgência de ações efetivas se faz presente em todas as esferas da sociedade: sociedade civil, cada vez mais mobilizada, política, através de políticas públicas, e os negócios com sua mais nova Estratégia ESG (Environmental, Social, Governance).
Mas se tanto já foi falado, criado, redigido e definido, o que está faltando? ?
Já existem soluções práticas e implementáveis para as mais diversas áreas de nossa sociedade, de sistemas agroecológicos que possibilitam a produção de alimentos orgânicos que regeneram o solo (O que é Agrofloresta? - Orgânico Simples), e design sustentáveis, que se utilizam da biomimética (Biomimética em ação - Janine Benyus) , do design berço a berço (Design berço a berço - William McDonough), e da mais alta tecnologia para desenvolver produtos e serviços (Design at the intersection of technology and biology - Neri Oxman), até a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis como as ondas e marés (Waveline Magnet - Swel), sistemas econômicos que consideram os limites, e uma base que alcance as necessidades humanas e que respeita os limites de regeneração do planeta (Economia Donut - Kate Raworth) e empresas voltadas para transformar pessoas e organizações para conservação dos ecossistemas marinhos.
Para tornar tudo isso cada vez mais tangível e presente em nosso cotidiano, faz-se necessário uma mudança de visão de mundo e de paradigmas, pois enquanto perpetuarmos a lógica mecanicista, estaremos constantemente "vendo a ponta do iceberg" quando os problemas são bem mais complexos e profundos. Acreditamos que a mudança começa com um novo modelo de educação, desde a primeira infância até níveis gerenciais das grandes empresas. Essa educação deve incluir a discussão da forma como entendemos o mundo, uma vez que isso influencia diretamente nossos relacionamentos e comportamentos. Harland e Keepin (2016) afirmam que para praticar a sustentabilidade, uma visão integral de mundo deve estar no centro do ser, dentro de cada indivíduo. Segundo as autoras, a visão de mundo integral, sistêmica, é a “essência que manteria unidos os três pilares da sustentabilidade”, ecológico, econômico e social.
Um novo olhar: o ser humano integrado ao meio
Felizmente não precisamos ir à lua para mudarmos nossa visão.
A Nas Marés se propõe a ser uma plataforma de conexão entre o ser humano e a natureza e seus ritmos, pois acreditamos que essa conexão nos leva a uma maior conexão com nós mesmos e com o todo.
Podemos também aprender muito com outras sociedades, como os povos originários, que vivem em profunda conexão com a natureza há milênios. Para melhor ilustrar essa visão de mundo, trago aqui uma citação de Jack D. Forbes, Nativo Norte Americano:
“Posso perder minhas mãos, e ainda viver. Posso perder minhas pernas e ainda viver. Posso perder meus olhos e ainda viver. Posso perder meu cabelo, sobrancelhas, nariz, braços e muitas outras coisas e ainda viver. Mas se eu perder o ar, eu morro. Se eu perder o sol, eu morro. Se eu perder a Terra, eu morro. Se eu perder a água, eu morro. Se eu perder as plantas e os animais, eu morro. Todas essas coisas são mais uma parte de mim, mais essenciais a ao meu sopro de vida, do que aquilo que chamo de meu corpo."
(tradução livre – Windspeaker Publications, 2002, p. 5)
Fica evidente que alcançar um presente e futuro mais sustentável em nossa complexa sociedade requer uma nova visão de mundo, holística e sistêmica, que encare os problemas considerando o todo, e que encontre soluções que respeitem os ciclos naturais permitindo um verdadeiro desenvolvimento sustentável para todos, humanos e não humanos.
Tendo em vista os desafios e as soluções colocadas. Propomos um questionamento sobre a atuais crenças preestabelecidas para que, a partir da sua desconstrução, seja possível uma nova visão de mundo que considere a sustentabilidade como o seu pilar principal.
Referências:
ELLEN MCARTHUR FOUNDATION. Economia Circular. Disponível em: <https://www.ellenmacarthurfoundation.org/pt/economia-circular-1/conceito>.
HANH T. O Coração da compreensão. 1988. Disponível em: <https://www.palasathena.org.br/2020/04/04/belissimo-texto-de-thich-nhat-hanh-do-livro-o-coracao-da-compreensao/>.
FORBES J. Where do our bodies end?. 2002. Disponível em: <https://www.ammsa.com/publications/windspeaker/where-do-our-bodies-end>
HARLAND M.; KEEPIN W. A Canção da Terra: Uma Visão de Mundo Científico e Espiritual. 1 ed. Roça Nova, Gaia Education e Coletivo Nós, 2016. 336 p.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future. 1987. Disponível em: <http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm>.
Tedtalks:
Biomimética em ação - Janine Benyus
Economia Donut - Kate Raworth
Posted by Juliana Poncioni
Fundadora e Diretora da Nas Marés, velejadora, Engenheira Ambiental, eterna Aprendiz, multi-esportista aventureira, se dedica a viver e a educar para sustentabilidade, trazendo sua energia, criatividade e paixão a tudo o que faz, despertando curiosidade e entusiasmo àqueles ao seu redor.
Opmerkingen